quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Cabocla

Couto, Ribeiro. Cabocla. Edições de Ouro; Rio de Janeiro, RJ; 230 páginas.


Dados da obra:


Cabocla exterioriza os sentimentos do homem que, ao contato com a natureza e a vida simples do campo, descobre a felicidade. É a situação de Jerônimo, o estudante que é enviado à Vila da Mata, o lugarejo onde descobre um novo e feliz universo, encontrando o amor na bela morena Zuca, até que se descobre doente e com poucas chances de vida.

Breve relato do autor:

Ribeiro Couto foi jornalista, magistrado, diplomata, poeta, contista e romancista brasileiro. Nasceu em Santos (SP) e foi membro da Academia Brasileira de Letras.

Passagens:

"Ali estava a rivalidade de lugarejos de que eu tanto ouvira falar. A paz dos campos, de idílica poesia, não era mais do que aparência: no segredo das almas o ciúme e a inveja, minavam as criaturas. Num repente, senti o desejo de tornar-me o grande homem de Pau d´Alho. Seria eu o criador de uma cidade. Seria eu o Verbo, a Ação. Dentro de dez anos, em torno daquela estação melancólica, haveria uma larga praça rodeada de prédios novos, ruas, trânsito, povo. A praça chamar-se-ia: Praça Jerônimo Vieira Pires. E eu seria, como o primo Boanerges em Vila da Mata, presidente da Câmara Municipal de Pau d´Alho."

"Eu ia agradecer a Siá Bina as boas palavras, quando surgiu na cozinha num vestido de chita vermelha, uma espécie de Nossa Senhora morena, com um rostinho redomdo em que tudo era gracioso: o queixo, a boca, o nariz. Apenas a fronte era larga, por cima de uns olhos pretos de expressão austera, parecia que aqueles olhos não sorriam nunca."

"Papai, que mundo inédito de criaturas e de coisas! Eu pensava que o Brasil, em suma, fosse o Rio, e afinal não é. O Brasil é muito mais complicado do que a gente pensa aí na Avenida Rio Branco. A cidadezinha quieta, a vilazinha de aparência morta, que o mundo oculto de agitações, ciúmes, ambições, heroísmos, conformações! Nos poucos dias que passei em Vila da Mata, meus olhos se abriram a um aspecto completamente novo da vida. Papai, eu descobri a província."

"O secreto ídílio era quase inocente. Se prima Emerenciana me visse arrastar-me, como um lagarto, até o quarto de Zuca, diria que eu a perdera. Entretanto, o mal não passava de ficarmos abraçados, as bocas unidas num beijo sem fim. A ternura com que ela se abandonava à minha boca não lhe quebrava a castidade. Pareceia-me natural que assim sucedesse: seus seios contra o meu peito, as bocas presas, nosso calor confundido sem que um institinto mais violento rompesse a perfeição do contato. Tão poderoso quanto o meu desejo contido era o respeito que me impunha a sua pureza inviolada."

"Enfim,a hemoptise veio. Senti um calor úmido na boca, qualquer coisa como um gole de vinho quente, esquecido na garganta; quando me debrucei para cuspir, o sangue vivo atingiu a porcelana do vaso. Zuca vinha entrando com o minguau. Pôs o prato em cima da mesa e correu para mim, franziu a testa numa disposição de energia; tomou-me o vaso da mão, para que eu não fizesse esforço; e amparou-me a cabeça com o travesseiro ergido.
– Não é nada – murmurou num fio de voz.
Nos seus olhos negros havia tanto amor!"

"– Se você não voltasse nós morríamos. Senti um deslumbramento. Nós? Fez que sim com a cabeça. Não dissera nada a ninguém: confiara. Só o que fizera fora uma promessa a Nossa Senhora. Tivera confiança no meu bem-querer. Eu havia de voltar por ato espontâneo, por saudade, por ver que não podia esquecê-la. Não fora melhor assim? Para quê me escrever que ia ter um filho? Se eu não voltasse, então morreria: morreria de pena, definhando, calada. De que adiantava contar?"

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