segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Doidinho

do Rego, José Lins. Doidinho. Livraria José Olympio Editora; Rio de Janeiro / RJ; 1979; 175 páginas.

Dados da obra:

Continuação do romance "Menino de Engenho", a obra narra a vida de Carlinhos, a criança precoce que faz a sua aprendizagem das durezas da vida, começando assim a sua transição para Carlos de Melo. O pano de fundo é o colégio de Itabaiana que faz a gente reviver a maioria das impressões vividas no tempo de escola. Este romance faz parte dos livros escritos pelo autor intitulado "Ciclo da cana-de-açúcar", do qual constam, ainda, "Menino de Engenho", "Banguê". "O Moleque Ricardo" e "Usina".

Breve relato do autor:
José Lins do Rego nasceu no Rio de Janeiro e foi um escritor brasileiro que, ao lado de Graciliano Ramos e Jorge Amado, figura como um dos romancistas regionalistas mais prestigiosos da literatura nacional. Traduz-se como um contador de histórias.

Passagens:
"... Eu não sabia nada. Levava para o colégio um corpo sacudido pelas paixões de homem feito e uma alma mais velha do que o meu corpo. Aquele Sérgio, de Raul Pompéia, entrava no internato de cabelos grandes e com a alma de anjo cheirando a virgindade. Eu não: era sabendo de tudo, adiantado nos anos, que ia atravessar as portas do meu colégio. Menino perdido, menino de engenho."
(trecho final de "Menino de Engenho", que antecipa a história de "Doidinho")

"... Olhava para Maria Luísa temendo a curiosidade ordinária do mundo. Ela também olhava para mim como se estivesse fazendo um malfeito, num relance. Não podia haver mais puro amor entre os homens. Maria Clara ainda a beijara debaixo dos cajueiros cheirosos do engenho. Um beijo só, que me deixou o coração batendo. Conversava com ela nos nossos passeios, sentia que havia carne morena na minha prima. Com Maria Luísa tudo era bem diferente. Nunca lhe dissera um palavra, nunca a ouvira chamar pelo meu nome. Amor de anjo, se os anjos amassem."

"Uma supresa espantosa deu-me nestes dias o Seu Maciel. Nunca vi um homem mudar tanto. Humanizava-se com os seus alunos em casa. Deviam ser assim na intimidade os domadores de feras. Aquela cara e aquele chicote serviam somente para os seus encontros com os tigres e os leões. O velho era bem outro, como se se tivesse libertado de uma contrafação de sua personalidade."

"Foi um choque rude para mim. Criaram-me em casa escondendo-me a tragédia de meus começos. Punham-me de longe, sem uma palavra sobre minha desgraça. Não falavam da morte de minha mãe na minha frente, não se referiam a meu pai a propósito de coisa nenhuma. Lembrava-me dele. Sentia uma pungente saudade dela. A minha memória fugia até o dia em que a vi estendida no chão e o meu pai me abraçando. Mas isto era comigo só, na intimidade das minhas recordações. Comigo ninguém nunca trocara palavras sobre estas cousas tristes. Nunca tiveram a coragem de bulir na ferida. Zé Augusto, sem querer, metera os dedos por dentro dessas chagas. Deixou-me sangrando.
– O pai de Doidinho matou a mãe dele.
Foi o mesmo que se tivesse descoberto ali, à vista de todos, a maior das vergonhas. E de repente, como se a torrente de minhas lágrimas se desencadeasse, não pude conter um choro convulso. Nem no primeiro dia de aula, quando apanhei, nem naquela surra da velha Sinhazinha, o pranto me chegou com tal desespero, que me tapava a garganta."

"Interessante este homem, a quem a função exigia uma personalidade diferente da sua própria. Recuperava dessa maneira a sua odiosa fisionomia de tirano, de cruel extirpador de vontade, de amansador impiedoso de impulsos os mais naturais. Não era possível que não sofresse com o seu desejo de se mostrar outro. Mas não; ele gostava mesmo de dar, porque os menores pretextos lhe serviam para as corrigendas de bolo. Talvez que fossem as exigências de seu método, as regras de ensinar de sua escola."

"Uma vez eu lera não sei aonde que era o amor e a nutrição que faziam os homens grandes e pequenos. De fato, na Semana Santa, por causa de um prato de feijão, ultrajara miseravelmente a meu Deus. E agora Maria Luísa, com o seu olhar e o seu sorriso para outro, me conduzia, aos treze anos, àquela infâmia com Pedro Muniz."

"9 de junho, Grande expectativa. Se não me viessem buscar?... Uma noite com a dúvida dormindo comigo. E que companheira mais incômoda para uma noite em que se ia dormir pensando na liberdade? Que sofreguidão não seria a dos presos que premeditavam fuga, os que passavam meses furando paredes grossas de cadeia para fugir! Que sonhos não teriam esses homens, sonhos compridos com o mundo, com as alegrias da liberdade! Eu não dormia. A menor preocupação cortava-me o sono. Passava horas inteiras de olhos arregalados..."

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