terça-feira, 21 de setembro de 2010

A revolução dos bichos

Orwell, George. A revolução dos bichos. Editora Globo; São Paulo / SP; 1996; 98 páginas.

Dados da obra:

O livro trata-se de um romance alegórico, uma sátira feita à União Soviética comunista. Narra uma história de corrupção e traição e recorre a figuras de animais para retratar as fraquezas humanas e demolir o “paraíso comunista” proposto pela Rússia na época de Stalin. A revolta dos animais da fazenda contra os humanos é liderada pelos porcos Bola-de-Neve e Napoleão. Os animais tentam criar uma sociedade utópica, porém Napoleão é seduzido pelo poder e estabelece uma ditadura tão corrupta quando a sociedade humana.

Breve relato do autor:

George Orwell, pseudônimo de Eric Arthur Blair, foi jornalista, ensaísta e romancista britânico. Sua escrita é marcada por descrições concisas de eventos e condições sociais e o desprezo por todos os tipos de autoridade.

Passagens:

“Então, camaradas, qual é a natureza da nossa vida? Enfrentemos a realidade: nossa vida é miserável, trabalhosa e curta. Nascemos, recebemos o mínimo de alimento necessário para continuar respirando e os que podem trabalhar são forçados a fazê-lo até a última parcela de suas forças; no instante em que nossa utilidade acaba, trucidam-nos com hedionda crueldade. Nenhum animal, na Inglaterra, sabe o que é felicidade ou lazer, após completar um ano de vida. Nenhum animal, na Inglaterra, é livre. A vida de um animal é feita de miséria e escravidão: essa é a verdade nua e crua”.

“Eis aí, camaradas, a resposta a todos os nossos problemas. Resume-se em uma só palavra – Homem. O Homem é o nosso verdadeiro e único inimigo. Retire-se da cena o Homem e a causa principal da fome e da sobrecarga de trabalho desaparecerá para sempre. O Homem é a única criatura que consome sem produzir. Não dá leite, não põe ovos, é fraco demais para puxar o arado, não corre o suficiente para alcançar uma lebre. Mesmo assim, é o senhor de todos os animais. Põe-nos a trabalhar, dá-nos de volta o mínimo para evitar a inanição e fica com o restante”.

“Qualquer coisa que ande sobre duas pernas é inimigo, qualquer coisa que ande sobre quatro pernas, ou tenha asas, é amigo. Lembrai-vos também de que na luta contra o Homem não devemos assemelhar-nos a ele. Mesmo quando o tenhais derrotado, evitai seus vícios. Animal nenhum deve morar em casas, nem dormir em camas, nem usar roupas, nem beber álcool, nem fumar, nem tocar em dinheiro, nem fazer comércio. Todos os hábitos do Homem são maus. E, principalmente, jamais um animal deverá tiranizar outros animais. Todos os animais são iguais”.

“– A asa de uma ave, camaradas, é um órgão de propulsão e não de manipulação. Deveria ser olhada mais como uma perna. O que distingue o Homem é a mão, o instrumento com que perpetra toda a sua maldade”.

“Os animais dividiram-se em duas facções que se alinhavam sob os slogans: 'Vote em Bola-de-Neve e na semana de três dias' e 'Vote em Napoleão e na manjedoura cheia'. Benjamin foi o único animal que não aderiu a lado nenhum. Recusava-se a crer, tanto em que haveria fartura de alimento, como em que o moinho de vento economizaria trabalho. Moinho ou não moinho de vento, dizia ele, a vida prosseguiria como sempre fora – ou seja, mal”.

“Repetiu inúmeras vezes: 'Tática, camaradas, tática!', saltando à roda e sacudindo o rabicho com um riso jovial. Os bichos não estavam muito certos do significado da palavra, mas Garganta falava tão persuasivamente e três cachorros – que por coincidência estavam com ele – rosnavam tão ameaçadoramente, que aceitaram a explicação sem mais perguntas”.

“Quando tudo acabou, os bichos sobreviventes, com exceção dos porcos e dos cachorros, retiraram-se furtivamente, trêmulos e angustiados. Não sabiam o que era mais chocante, se a traição dos animais que se haviam acumpliciado com Bola-de-Neve, ou se a cruel repressão recém-presenciada. Nos velhos tempos eram frequentes as cenas sangrentas, igualmente horripilantes, entretanto agora lhes parecia ainda piores, uma vez que ocorriam entre eles mesmos. Desde o dia em que Jones deixara a fazenda até aquele dia, nenhum animal matara outro animal. Nem sequer um rato fora morto”.

“Olhando pela encosta da colina, Quitéria ficou com os olhos cheios d´água. Se pudesse exprimir seus pensamentos, diria que aquilo não era bem o que pretendiam ao se lançarem, anos atrás, ao trabalho de derrubar o gênero humano. Aquelas cenas de terror e sangue não eram as que previra naquela noite em que o velho Major, pela primeira vez, os instigara à rebelião. Se ela própria pudesse imaginar o futuro, veria uma sociedade de animais livres da fome e do chicote, todos iguais, cada qual trabalhando de acordo com sua capacidade, os mais fortes protegendo os mais fracos, como ela protegera aquela ninhada de patinhos na noite do discurso do Major. E, em vez disso – não podia compreender por quê – haviam chegado a uma época em que ninguém ousava dizer o que pensava, em que os cachorros rosnantes e malignos perambulavam por toda parte e a gente era obrigada a ver camaradas feitos em pedaços após confessarem os crimes mais horríveis. Não tinha em mente ideias de rebelião ou desobediência. Sabia que, por piores que fossem, as coisas estavam muito melhores do que nos tempos de Jones e que antes de mais nada era preciso evitar o retorno dos seres humanos. Acontecesse o que acontecesse, ela permaneceria fiel, trabalharia bastante, cumpriria as ordens recebidas e aceitaria a liderança de Napoleão. Mesmo assim, não fora por aquilo que haviam construído o moinho de vento e enfrentado as balas da espingarda de Jones. Tais eram os seus pensamentos, embora ela não tivesse palavras para expressá-los”.

“Coxearam até o pátio. As balas, sobre o couro de Sansão, aferroavam dolorosamente. Ele enxergava à sua frente a pesada tarefa de reconstruir o moinho de vento e, mesmo em imaginação, já se atirava ao trabalho. Pela primeira vez, entretanto, ocorreu-lhe a lembrança de que já tinha onze anos de idade e que talvez seus músculos já não tivessem a mesma força de antes”.

“Houve um silêncio mortal. Surpresos, aterrorizados, uns juntos aos outros, os bichos olhavam a fila de porcos marchar lentamente em redor do pátio. Pareceu-lhes enxergar o mundo de cabeça para baixo. Então veio um momento em que, passado o primeiro choque e a despeito de tudo – a despeito do terror dos cachorros e do hábito, arraigado após tantos anos, de nunca se queixarem, nunca criticarem, pouco importava o que sucedesse – poderiam lançar uma palavra de protesto. Porém exatamente nesse instante, como se obedecessem a um sinal combinado, as ovelhas, em uníssono, estrondaram num espetacular balido:
– Quatro pernas bom, duas pernas melhor! Quatro pernas bom, duas pernas melhor! Quatro pernas bom, duas pernas melhor!”.

“Doze vozes gritavam cheias de ódio e eram todas iguais. Não havia dúvida, agora, quanto ao que sucedera à fisionomia dos porcos. As criaturas de fora olhavam de um porco para um homem, de um homem para um porco e de um porco para um homem outra vez; mas já se tornara impossível distinguir quem era homem, quem era porco”.

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