quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Lendo Lolita em Teerã

Nafisi, Azar. Lendo Lolita em Teerã. Edições Best Bolso; Rio de Janeiro / RJ; 2009; 418 páginas.

Dados da obra:
Neste livro, Azar Nafisi nos conduz à intimidade da vida de oito mulheres que precisam encontrar-se secretamente para explorar a literatura ocidental proibida em seu país. Durante dois anos, antes de deixar o Irã, em 1997, Nafisi e mais sete jovens liam em conjunto Orgulho e Preconceito, Madame Bovary, Lolita e outras obras clássicas sob censura literária. A narrativa de Nafisi remonta aos primeiros dias da revolução islâmica liderada pelo aiatolá Khomeini (1979), quando ela começou a lecionar na Universidade de Teerã.

Breve relato da autora:

Azar Nafisi é professora e escritora iraniana, que reside nos Estados Unidos desde 1997, quando emigrou do Irã. Seu campo é a literatura de língua inglesa.

Passagens:

“Expliquei-lhes o objetivo das aulas: ler, discutir, permitir ser tocada pelas obras de ficção. Cada uma delas teria um diário pessoal, no qual deveria registrar suas reações aos romances, e também o modo pelo qual essas obras e as discussões que suscitavam estavam relacionadas com suas experiências pessoais e sociais. Disse-lhes que as escolhera para essas aulas porque pareciam dedicadas ao estudo da literatura. Mencionei que um dos critérios para a escolha dos livros tinha sido a fé deles no poder crítico e quase mágico da literatura, lembrei-lhes de que Nabokov, aos 19 anos, não permitiu que o som das balas o distraísse durante a Revolução Russa. Ele continuou a escrever seus solitários poemas enquanto ouvia o estrondo das armas e via as lutas sangrentas de sua janela. Veremos, eu disse, se setenta anos depois, nossa fé nos recompensará, transformando a realidade sombria criada por esta outra revolução.”

“Na verdade, upsilamba era uma das imaginárias criações de Nabokov, possivelmente uma palavra que inventou a partir de upsilom, vigésima letra do alfabeto grego, e lambda, a décima primeira. Então naquele nosso primeiro dia de aula em minha casa, deixamos nossas mentes brincarem novamente e inventamos novos significados para nós mesmas...
... Upsilamba se tornou parte do nosso crescente arquivo de palavras e expressões codificadas, um arquivo que cresceu com o tempo até que gradualmente criamos uma linguagem secreta própria. Aquela palavra se tornou um símbolo, um sinal de uma vaga sensação de alegria, o formigamento na espinha que Nabokov esperava que seus leitores sentissem ao ler ficção; era essa sensação que separava os bons leitores, como ele os chamava, dos leitores comuns. Upsilamba também se tornou a palavra-código que abria a caverna secreta da memória.”

“Fui deitar perturbada, depois da nossa primeira discussão sobre Lolita, pensando na pergunta de Mitra. Por que Lolita e Madame Bovary nos davam tanta alegria? Havia algo errado com esses romances ou conosco? Na quinta-feira seguinte eu havia formulado meus pensamentos, e não via a hora de compartilhá-los com minha turma.
Nabokov chama todo romance de conto de fadas, eu diria. E acrescentaria: primeiro deixe-me relembrá-las de que os contos de fadas são repletos e bruxas ameaçadoras que comem crianças, de madrastas malévolas que envenenam suas lindas enteadas, de pais fracos que deixam seus filhos abandonados nas florestas. Mas a mágica vem do poder do bem, aquela força que nos diz que não devemos nos submeter às limitações e às restrições que nos são impostas pelo Senhor Destino, como Nabokov o chamava. Todo conto de fadas oferece o potencial para superar os limites e, assim, eles oferecem liberdades que a realidade nos nega. Em todas as grandes obras de ficção, independente da impiedosa, sinistra ou implacável afirmação da vida contra a transitoriedade daquela vida, um desafio essencial. Essa afirmação está na maneira que o autor controla a realidade, recontando-a do seu próprio modo, criando, assim, um mundo novo. Declararia com pompa: toda grande obra de arte é um celebração, um ato de insubordinação contra as traições, os horrores e as infidelidades da vida. A perfeição e a beleza da forma se rebelam contra a feiura e a miséria do tema. É por isso que amamos Madame Bovary e choramos por Emma, por isso que lemos Lolita avidamente, enquanto nosso coração se parte de dor por sua heroína órfã e desafiadora, pequena, vulgar e poética.”

“Perguntei aos meus alunos em nosso primeiro dia de aula, o que eles achavam que a ficção poderia proporcionar, porque, afinal, alguém deveria se preocupar em ler ficção. Foi um modo diferente de iniciar uma aula, mas consegui prender a atenção da turma. Expliquei que iríamos ler e discutir diferentes autores durante aquele semestre, mas que todos os autores escolhidos tinham a subversão como algo em comum. Alguns deles, como Gorki e Gold, eram abertamente subversivos em seus objetivos políticos; outros como Fitzgerald e Mark Twain, eram, na minha opinião, ainda mais subversivos, embora isso não fosse óbvio. Disse aos alunos que frequentemente voltaríamos ao termo subversão, pois minha compreensão desse termo era diferente da sua definição habitual. Escrevi no quadro uma das minhas frases favoritas do pensador e filósofo alemão Theodor Adorno: ‘a mais elevada forma de moralidade é não se sentir em casa em sua própria casa’. Expliquei-lhes que a maioria das grandes obras da imaginação pretendia nos fazer sentir como estrangeiros em nossa própria casa. A melhor ficção sempre nos força a questionar aquilo que temos como certo. Ela questiona as tradições e as expectativas, quando estas parecem ser imutáveis. Disse-lhes que gostaria que eles observassem de que modo essas obras os perturbavam, produziram desconforto, fizeram com que analisassem o mundo à sua volta, como Alice no país da maravilhas, através de diferentes olhares.”

“A aptidão de Razieh para a beleza era extraordinária. Ela disse: sabe, toda a minha vida eu passei na pobreza. Eu precisava roubar livros e entrar sorrateiramente nas salas de cinemas – mas, meu Deus, como eu amava aqueles livros! Não creio que nenhuma criança rica jamais tenha gostado de Rebecca ou... E o vento levou como eu, quando pedia emprestadas as edições traduzidas nas casas onde minha mãe trabalhava. Mas no caso de James – ele é diferente de todos os demais escritores que já tenha lido. Acho que estou apaixonada, completou rindo.”

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