segunda-feira, 11 de outubro de 2010

O ano do pensamento mágico

Didion, Joan. O ano do pensamento mágico. Nova Fronteira. São Paulo / SP; 2006; 221 páginas.

Dados da obra:

Ensaio pessoal que narra o período de um ano que se seguiu à morte de seu marido, o também escritor John Gregory Dunne, e a doença de sua única filha. O livro revela uma experiência pessoal e, ao mesmo tempo, universal. É um livro sobre a superação e sobre a nossa necessidade de atravessar - racionalmente ou não - momentos em que tudo o que conhecíamos e amávamos deixa de existir.

Breve relato da autora:

Joan Didion é uma escritora norte- americana cujos trabalhos como jornalista, ensaísta e romancista a tornaram muito reconhecida tanto nos Estados Unidos quanto em outros países para os quais ela foi traduzida. Didion colabora freqüentemente no The New York Review of Books e na revista The New Yorker.

Passagens:

“... A minha vida inteira eu passei esperando (temendo, suspeitando, prevendo) por aquelas mortes... Depois da morte da minha mãe, recebi uma carta de um amigo de Chicago, um ex-missionário da organização Maryknoll, que teve uma intuição muito precisa sobre o que eu senti. A morte de um dos pais, ele escreveu, ‘apesar de estar preparados e apesar da nossa experiência, mexe em coisas muito profundas dentro de nós, desencadeando reações que nos surpreendem e que podem liberar lembranças e sentimentos que pensávamos estar enterrados há muito tempo. Nesse período indeterminado que chamamos de luto, é como se estivéssemos num submarino silencioso no fundo do mar, sofrendo a pressão da profundidade. Ás vezes estamos perto, às vezes estamos longe, sempre mergulhados em recordações’ .”

“A gente não estava se divertindo, ele havia recentemente comentado. Eu mencionava as exceções (mas a gente não fez isso, a gente não fez aquilo?), mas eu também sabia o que ele estava querendo dizer. Ele queria dizer não apenas fazer as coisas só porque se esperava que a gente as fizesse ou porque sempre as tinha feito ou porque deveríamos fazê-las, mas porque a gente tinha vontade de fazê-las. Ele queria dizer desejar. Ele queria dizer viver.”

“Nunca vi nenhum ser selvagem / sentir pena de si mesmo”, escreveu D.H. Lawrence, numa citação de quatro linhas, muito explorada que, após ser examinada, revela um significado tendencioso. “Um passarinho cai morto, gelado, de um galho / sem nunca ter sentido pena de si mesmo.”

“Isso pode ser o que D. H. Lawrence gostaria (ou o que nós gostaríamos) de acreditar, com relação a seres selvagens, mas temos que levar em consideração os golfinhos que se recusam a comer após a morte do companheiro. Temos que levar em consideração os gansos, que procuram pelo companheiro perdido até ficarem desorientados e morrerem. Na verdade, os que estão afligidos pela perda têm motivos prementes, às vezes até uma necessidade urgente, de sentir pena de si próprios. Os maridos vão embora, as esposas vão embora, os divórcios acontecem, mas esses maridos e mulheres deixam atrás deles uma teia de associações intactas e amargas. São os que sobreviveram a uma morte é que são realmente deixados sozinhos.”

“Nós não somos criaturas selvagens idealizadas.
Somos seres mortais e imperfeitos conscientes da mortalidade, apesar de ficarmos empurrando-a adiante, o que acaba não funcionando devido às nossas próprias complicações. Quando choramos nossas perdas, ficamos tão transtornados que a gente chora, para o bem ou para o mal, também por nós mesmos. Pelo que nós éramos. Pelo que não somos mais. Pelo que um dia não seremos de modo algum.”

“Somente após ter lido o laudo da autópsia, comecei a acreditar no que haviam me dito várias vezes: nada do que ele ou eu pudéssemos ter feito ou deixado de fazer causaria ou teria evitado a morte de John. Ele tinha recebido de herança um coração fraco que ia acabar matando-o. A data na qual o coração o mataria já havia sido, devido a muitas intervenções médicas, adiada. Quando aquele dia finalmente chegou, não havia nada que eu pudesse fazer em casa que desse a ele mais um dia que fosse – eu não tinha um desfibrilador portátil, nem um equipamento de RCP, nada sequer parecido com um kit completo para problemas cardíacos, nem as instalações necessárias para executar uma cardioversão, nem a medicação intravenosa necessária.”

“Eu não queria terminar o ano porque sei que, à medida que os dias passam e janeiro se torna fevereiro, e depois se torna verão, certas coisas vão acontecer. A imagem que tenho do John na hora da morte vai se tornar menos imediata, menos curta. Vai se tornar algo que aconteceu em outro ano. A minha sensação do John, do John vivo, vai se tornar mais remota, até ser “embaçada”, amaciada, transmutada em qualquer coisa que sirva melhor à minha vida sem ele. Na realidade, isso já está começando a acontecer. O ano todo, fiquei marcando o tempo pelo calendário do ano passado: o que a gente estava fazendo nesse mesmo dia do ano passado; onde é que a gente jantou; foi esse o dia em que, no ano anterior, fomos para Honolulu... Percebi hoje, pela primeira vez, que a minha memória desse mesmo dia, um ano antes é uma memória que não envolve John. O dia de hoje, há um ano, era 31 de dezembro de 2003. John não viu esse dia no ano passado. Ele tinha morrido.”

“Eu sei que tentamos manter vivos os mortos. Tentamos mantê-los vivos para mantê-los conosco.
Sei também que, se a gente vai continuar vivo, chega uma hora em que a gente tem que abandonar os mortos, deixá-los ir, mantê-los mortos.
Deixar que eles se tornem uma fotografia em cima da mesa.
Deixar que eles se tornem um nome nas contas do inventário.
Soltar-se deles na água.
Saber disso não torna mais fácil soltar-se do John na água.”

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