sexta-feira, 8 de outubro de 2010

O caçador de pipas

Hosseini, Khaled. O caçador de pipas. Editora Nova Fronteira; São Paulo / SP; 2005. 368 páginas.

Dados da obra:

Este romance conta a história da amizade de Amir e Hassan, dois meninos quase da mesma idade, que vivem vidas muito diferentes no Afeganistão da década de 1970. Amir é rico e bem-nascido, um pouco covarde, e sempre em busca da aprovação de seu próprio pai. Hassan, que não sabe ler nem escrever, é conhecido por coragem e bondade. Durante um campeonato de pipas, no inverno de 1975, que Hassan dá a Amir a chance de ser um grande homem, mas ele não enxerga sua redenção. Após desperdiçar a última chance, Amir vai para os Estados Unidos, fugindo da invasão soviética ao Afeganistão, mas vinte anos depois Hassan e a pipa azul o fazem voltar à sua terra natal para acertar contas com o passado.

Breve relato do autor:

Khaled Hosseini é um romancista e médico afegão, com naturalização estadunidense. Apesar do sucesso com a literatura, Hosseini continua praticando medicina.

Passagens:

“... Era muito estranho ver Ali feliz, ou triste, pois, no seu rosto enrijecido, apenas os olhos castanhos e oblíquos brilhavam com um sorriso ou se umedeciam com a tristeza. Dizem que os olhos são as janelas da alma. Isso nunca foi tão verdadeiro como no caso de Ali, que só podia se revelar através deles.”

“Hassan e eu mamamos no mesmo peito. Demos os nossos primeiros passos na mesma grama do mesmo quintal. E, sob o mesmo teto, dissemos nossas primeiras palavras.
A minha foi baba.
A dele, Amir. O meu nome.
Olhando para trás, agora, fico pensando que os alicerces do que aconteceu no inverno de 1975 – e de tudo o que veio depois – já estavam contidos nessas primeiras palavras.”

“Hassan e eu nos entreolhamos. E caímos na gargalhada. Aquele pirralho indiano logo, logo aprenderia o que os britânicos aprenderam no começo do século, e os russos viriam a descobrir em fins da década de 1980: que os afegãos são um povo independente. Cultivam os costumes, mas abominam as regras.”

“Lembrei de algo que meu pai tinha dito uma vez sobre os pashtuns. ‘Podemos ser cabeças-duras, e sei muito bem que somos orgulhosos demais. Na hora da necessidade, porém, pode acreditar: não há ninguém melhor para se ter ao nosso lado que um pashtun’.”

“Mas não era só porque tinha conseguido uma plateia para os seus monólogos sobre doenças que ela me tratava daquele jeito. Estou convencido de que, se eu pegasse um rifle e começasse uma escalada assassina, ainda assim continuaria a contar com o amor incondicional de Khala Jamila. Porque tinha livrado o seu coração da mais grave das doenças. Tinha eliminado o maior medo de todas as mães afegãs: o de que nenhum khastegar respeitável viesse pedir a mão de sua filha em casamento. Que sua filha fosse envelhecer sozinha, sem marido, sem filhos. E toda mulher precisa de um marido. Mesmo que ele faça calar a canção que existe nela.”

“Pelo que vejo, os Estados Unidos infundiram em você o otimismo que fez deles um grande país. Isso é ótimo. Nós, os afegãos, somos um povo melancólico, não somos? Quase sempre ficamos chafurdando em ghamkhori e autopiedade. Damo-nos por vencidos diante das perdas, do sofrimento; aceitamos tudo isso como um fato da vida ou chegamos até considerá-lo algo necessário. Zendagi migzara, como dizemos, a vida continua...”

“Como pôde mentir para mim durante todos esses anos? E também para Hassan? Quando eu era pequeno, ele me pôs no colo, olhou bem dentro dos meus olhos e disse; ‘Existe apenas um pecado, um só. E esse pecado é roubar... Quando você mente está roubando de alguém o direito de saber a verdade!’ Não foram essas as palavras que ele me disse? E agora 15 anos depois de eu o ter enterrado, acabo descobrindo que baba era um ladrão. Um ladrão da pior espécie, porque as coisas que roubou eram sagradas: de mim, o direito a ter um irmão; de Hassan, a própria identidade; e de Ali, a honra. Sua nang. Seu namoos.”

“Ri. Em parte, por causa da piada; em parte por ver que o humor afegão não mudava nunca. Guerras foram travadas, a internet foi inventada e um robô tinha circulado pela superfície de Marte, mas, no Afeganistão, as pessoas continuavam a contar piadas sobre o mulá Nasruddin.”

“... Se ajeitou atrás de Hassan. Este não lutou. Nem mesmo se lamentou. Virou a cabeça lentamente e pude ver o seu rosto de relance. O que vi, ali, foi resignação. Era um olhar que eu já tinha visto antes. O olhar de um cordeiro.”

“Ele já estava dobrando a esquina, com as botas de borracha levantando neve do chão. Parou e se virou. Pôs as mãos em concha junto da boca.
– Por você faria mil vezes! – disse ele. E deu aquele sorriso de Hassan, desaparecendo então na esquina. Só voltei a vê-lo sorrir assim tão descontraído 26 anos mais tarde, olhando uma foto Polaroid desbotada.”

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