sexta-feira, 6 de maio de 2011

Água para elefantes

Gruen, Sara. Água para elefantes. Sextante; Rio de Janeiro / RJ; 2011; 272 páginas.

Dados da obra:

Jacob Jankowski é um senhor que vive numa casa de repouso. Por 70 anos ele guardou um segredo: quando jovem trabalhou num circo. Ainda estudante de veterinária, Jacob perdeu os pais num acidente de carro. Transtornado e sem dinheiro, ele larga a faculdade nos exames finais e entra em um trem em movimento - o Esquadrão Voador do circo Irmãos Benzini, o Maior Espetáculo da Terra. Ali ele é contratado para cuidar dos animais, mas sofrerá nas mãos de August, o chefe do setor dos animais, e marido de Marlena, a estrela do circo, por quem se apaixonará. Ele ainda se encanta com Rosie, a elefanta aparentemente estúpida que deveria ser a salvação do circo. Uma história envolvente, que fala de velhice, circo, animais e amor.

Breve relato da autora:

Sara Gruen é uma escritora nascida no Canadá e com dupla-nacionalidade, canadense e estadunidense. Seus livros tratam principalmente de animais e ela é uma incentivadora de numerosas organizações de caridade que apóiam os animais e a vida destes em seu habitat natural (Wikipedia).

Passagens:

“Tenho 90 anos. Ou 93. Uma coisa ou outra.
Quando temos cinco anos, sabemos até os meses de nossa idade. Mesmo por volta dos 20 sabemos quantos anos temos. Tenho 23, dizemos, ou talvez 27. Mas quando chegamos aos 30, algo estranho começa a acontecer. A princípio, é um mero sobressalto, um instante de hesitação. Quantos anos você tem? Ah, eu tenho – você começa confiante, mas depois para. Ia dizer 33, mas não é essa a sua idade. Você está com 35 anos. E isso o incomoda, pois você fica imaginando se não é o início do fim. Claro que é, mas ainda faltam décadas para você admitir isso.”

“Sei que alguns de nós já não têm dentes, mas eu tenho, e quero carne assada. A da minha esposa, completa, com louro e gordura. Quero cenoura. Quero batata cozinha com casca. E quero um Cabernet sauvignon encorpado para fazer tudo isso descer, e não um suco de maçã em lata. Mas, sobretudo, quero milho na espiga.
Às vezes acho que se eu tivesse de escolher entre uma espiga de milho e fazer amor com uma mulher, escolheria o milho. Não que eu não fosse gostar de curtir uma última trepada – ainda sou homem e algumas coisas nunca morrem –, mas só de pensar naqueles grãos doces estourando entre os dentes fico com água na boca. É uma fantasia, eu sei. Nenhuma das duas coisas vai acontecer. Mas gosto de pesar minha opções, como se eu estivesse diante de Salomão: uma última trepada ou uma espiga de milho. Que dilema maravilhoso. Às vezes substituo o milho por uma maçã.”

“Lembro-me de sair da minha casa pela última vez, enrolado como um gato a caminho do veterinário. Enquanto o carro se afastava, meus olhos ficaram tão cheios de lágrimas que não pude olhar para trás.
Não é um asilo, disseram. É uma moradia com assistência – uma assistência progressiva, é isso. Você só recebe ajuda se precisar, e então, quando ficar mais velho...
Eles sempre interrompiam a frase nesse ponto, como se isso pudesse me impedir de concluir o raciocínio lógico.”

“Minhas banalidades não lhes interessam, e dificilmente eu poderia culpá-los por isso. Minhas histórias reais estão defasadas. E daí que eu posso falar em primeira mão da gripe espanhola, do advento do automóvel, das guerras mundiais, das guerras frias, das guerras de guerrilha e do Sputnik? Agora, tudo isso é história antiga. Mas o que mais eu tenho a oferecer? Nada de novo me acontece. Essa é a realidade do envelhecimento, e acho que essa é a questão essencial. Ainda não estou preparado para ser velho.”

“Abro a jaula do orangotango-fêmea e deposito uma vasilha com frutas, verduras e nozes no chão. Ao fechá-la, o braço comprido do bicho passa pelas barras da jaula. E ele aponta para um laranja em outra vasilha.
– Essa? É essa que você quer?
Ela continua a apontar, piscando para mim seus olhos muito próximos um do outro. As feições são côncavas, a cara parece um prato grande com uma franja avermelhada, É a coisa mais terrível e mais bela que já vi.
– Tome – digo, entregando-lhe a laranja. – É sua.
Ela a pega e a põe no chão. Em seguida coloca o braço para fora de novo. Depois de alguns segundos de muito receio, estendo a mão. O orangotango-fêmea envolve a minha mão com seus dedos compridos e depois a solta. Então se senta nas ancas e descasca a laranja.
Olho assombrado. Ela estava me agradecendo.”

“Meu pai achava que era seu dever continuar cuidando dos animais mesmo muito depois de deixar de ser pago por isso. Ele não podia ficar parado diante de um cavalo com cólicas ou de um bezerro nascendo na posição errada, mesmo que isso significasse um enorme prejuízo pessoal. A comparação é inevitável. Não há dúvida de que sou a única proteção desses animais contra a prática empresarial de August e do Tio Al, e o que meu pai faria – o que meu pai gostaria que eu fizesse – seria cuidar deles e essa é a minha convicção absoluta e inabalável. Não importa o que eu tenha feito na noite passada, não posso abandoná-los. Sou o pastor, o protetor deles. E é mais que um dever. É um compromisso com meu pai.”

“A girafa é medrosa e bela e, provavelmente, a criatura mais estranha que já vi. As pernas e o pescoço são delicados, o corpo é inclinado e coberto com pintas que parecem pequenas peças de quebra-cabeça. No topo de sua cabeça triangular, acima das grandes orelhas, veem-se estranhas protuberâncias peludas. Os olhos são enormes e escuros, e ela tem os lábios macios e aveludados de um cavalo. Seguro-me em seu cabresto, mas a girafa permanece quieta durante quase todo o tempo enquanto limpo suas narinas e envolvo seu pescoço com uma flanela. Quando termino, desço a escada.”

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