sexta-feira, 16 de maio de 2014

Borges e os orangotangos eternos

Veríssimo, Luis Fernando. Borges e os Orangotangos Eternos. Companhia das Letras; São Paulo / SP; 2001; 133 páginas.

Breve relato do autor:

Luis Fernando Veríssimo é um escritor brasileiro,s conhecido por suas crônicas e textos de humor, mais precisamente de sátiras de costumes, publicados diariamente em vários jornais brasileiros. É também cartunista e tradutor, além de roteirista de televisão, autor de teatro e romancista bissexto. É filho do também escritor Érico Veríssimo.

Dados da obra:

Vogelstein é um cinquentão solitário que vive em Porto Alegre e passou uma vida entre livros. De repente, o destino sacode a mesmice de sua vidinha e leva-o a um congresso da Israfel Society, formada por especialistas em Edgar Allan Poe, em Buenos Aires. Ali ele terá a oportunidade de conhecer seu ídolo: Jorge Luis Borges. E, acabará no centro de um crime rocambolesco que envolve demônios arcanos e os mistérios da cabala. Muito divertido.

Passagens:

Tentarei ser os seus olhos, Jorge. Sigo mo conselho que você me deu, quando nos despedimos: “Escribe y recordarás”. Tentarei recordar, com exatidão desta vez. Para que você possa enxergar o que eu vi, desvendar o mistério e chegar a verdade. Sempre escrevemos para recordar a verdade. Quando inventamos, é para recordá-la mais exatamente.

Tenho cinquenta anos. Levei uma vida enclausurada, “sin aventuras ni asombro”, como no seu poema. Como você, mestre. Uma vida entre livros, protegida, em que raramente o inesperado entrou como um tigre. Mas não sou um ingênuo. Sou um cético, os livros me ensinaram todas as categorias de descrença e precaução contra o ilógico. Jamais poderia acreditar que o destino estava me chamando pelo nome, que tudo já estava decidido por mim e antes de mim por algum Borges oculto, que o meu papel estava me esperando como o vide papier de Mallarmé esperava seus poemas.

O congresso estava suspenso, a morte violenta de Joachim Rotkopf chocara a todos, inclusive você – mas você não conseguia esconder seu prazer. Não conseguia manter a boca numa posição correta de pesar e preocupação. Um congresso sobre Edgar Allan Poe interrompido por um assassinato num quarto fechado, como no conto do próprio Poe! Era lamentável, mas era fantástico. Várias vezes durante a nossa conversa, quando fomos visitá-lo naquela tarde depois do crime, uma expressão de felicidade correu pelo seu rosto como uma criança escapando ao controle de um pai severo, até ser dominado de novo. Eu sabia que você ia gostar, Jorge.

... Mas agora eu estava dentro da biblioteca de Jorge Luis Borges. Eu chegar ao centro do labirinto e o monstro me oferecera chá mate ou xerez. Eu estava no meio dos seus livros, sob as suas gravuras de Piranesi, bebendo seu chá certamente inglês, e você me ouvia, e desta vez não era um sonho...

– Viver significa deixar traços, não ruínas. Walter Benjamin.

... – Sir Thomas Browne tem um tratado sobre o X, que seria a representação da união do saber temporal e do saber mágico, a pirâmide para baixo e a pirâmide para cima – continuou você. – E também a duplicação do V, a letra romana com maior carga mística, pois representa os cinco sentidos humanos e é ao mesmo tempo forma, letra e número, ou geometria, escrita e matemática.

Lembro de tudo o que dissemos naquela noite. Exatamente.
Eu:
– O. A mãe das vogais. Símbolo de Deus. O que não tem começo nem fim.
Você:
– Uma serpente comendo o próprio rabo para sempre. Símbolo de Eternidade.

... As soluções estão sempre nas bibliotecas.

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