quinta-feira, 5 de março de 2015

O livro das crueldades

Highsmith, Patricia. O Livro das Crueldades. Companhia das Letrinhas; São Paulo / SP; 1989; 181 páginas.

Breve relato do autor:

Patricia Highsmith foi uma escritora famosa pelos seus thrillers criminais psicológicos. Iniciou a carreira na década de 1940, escrevendo roteiros para histórias quadrinhos para editora Nedor, sobretudo as do super-herói Black Terror. Tornou-se mundialmente famosa por Strangers on a Train, que teve já várias adaptações para cinema, e pela série Ripliad com a personagem Thomas Ripley. Escreveu também muitas histórias curtas.

Dados da obra:

São 13 contos, nos quais Patricia Highsmith coloca à solta os animais, que podem ter uma pacífica aparência doméstica, mas que matam quando necessário. Tal como os humanos. Na ficção da escritora matar é apenas uma questão de necessidade e oportunidade.

Passagens:

Ele é alto e jovem e tem o cabelo ruivo. Gosta de se exibir estalando um longo chicote em minha direção. Acha que pode me obrigar a fazer coisas com cutucões e ordens. Seu bastão tem uma ponta afiada de metal que é irritante, embora não me penetre a pele. Steve aproximou-se de mim como uma criatura aproxima-se de outra, travando relações comigo e sem supor que eu viesse a ser o que ele esperava. Foi por isso que nos demos bem. Cliff, no fundo, não gosta de mim. Entre outras coisas não faz nada para me proteger das moscas, no verão.
(O Finalíssimo Espetáculo da Corista)

Mahmet arrancou a túnica. Arrancou o turbante também. Atirou as duas coisas em Djemal.
Surpreso, Djemal mordeu a roupa malcheirosas balançando a cabeça como se tivesse os dentes cravados no pescoço de Mahmet, sacudindo-o até matá-lo. Rosnava e atacava o turbante, agora desfeito num longo pano sujo. Comeu parte do turbante e com uma das grandes patas dianteiras pisoteou o resto.
Mahmet, atrás da árvore, começou a respirar melhor. Sabia que os camelos podem desabafar a ira na roupa do homem a quem odeiam e que depois se acalmam. Esperava que fosse assim, desta vez. Não gostava de ideia de voltar a pé para Khassa. Queria ir até Elu-Bana, que considerava “sua casa”.
(A Vingança de Djemal)

Gostava mesmo era de se deitar ao sol com a dona numa das espreguiçadeiras de lona que havia no terraço de casa. Mas não gostava das pessoas que ela às vezes convidava, dezenas de pessoas que passavam a noite, que ficavam acordadas até tarde, comendo e bebendo, ouvindo discos ou tocando piano – pessoas que o separavam de Elaine. Pessoas que lhe pisavam nas patas; pessoas que, às vezes, o pegavam por trás, desprevenido, e ele tinha de lutar para se soltar; pessoas que lhe passavam a mão com rudeza; pessoas que às vezes fechavam alguma porta, deixando-o trancadi. Gente! Ming detestava gente. No mundo inteiro, só gostava de Elaine. Ela o amava e compreendia.
(A Maior Presa de Ming)

– Neste rato – começou Alden, também baixinho.
Mas parou para pegar, com dedos levemente trêmulos, a ponta de uma saborosa salsicha do pãozinho com manteiga a sua frente. Jogou-a para o rato, que recuou um pouco, depois disparou para a salsicha, pegou-a e mastigou-a, segurando-a com o toco de pata.
– Este rato tem força – disse, afinal – Imagine tudo o que ele passou. E nem por isso ele desistiu, não foi?
(O Rato mais Corajosos de Veneza)

... Das criaturas de duas pernas não vinha nada de confiável e abundante, talvez uma tigela de leite e pão, mas não todo dia, nada que se pudesse contar. Mas no grande cavalo avermelhado, tão pesado e lento, a gatinha cinzenta passava a reconhecer um amigo confiável. Vira cavalos antes, mas nenhum tão grande quanto aquele. Nunca chegara perto de um cavalo, nunca tocara nenhum. Achava isso divertido e perigoso...
(Cavalo-motor)

Os outros gatos deviam estar caçando. Bess procurou até no estábulo, mas não encontrou o gatinho. Então olhando de relance para Fanny no campo, de cabeça baixa a mastigar trevos, deu com o gatinho, a fazer cabriolas e correr ao sol em torno dos cascos da água, como uma baforada de fumaça soprada de uma lado para o outro. A leveza e a energia do gatinho fascinaram Bess por alguns momentos. Que contraste, notou, com seu peso terrível, sua lentidão, sua idade! Seguiu sorrindo, na direção do portão. O gatinho ia gostar do osso.
(Cavalo-motor) 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.